Jackson Schad, duas semanas depois de sua cirurgia, exibe a cicatriz sob os mamilos da remoção dos seios.

Trans faz vaquinha na internet e paga cirurgia de mudança de sexo

Financiamento coletivo é a maneira que muit@s transexuais encontraram para finalmente conseguirem o corpo de que precisam

por Marcio Caparica

Transexuais no Brasil, quando chegam no momento de realizar as cirurgias de mudança de sexo, podem realizar os procedimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É um processo demorado, muitas vezes frustrante, que exige um longo acompanhamento psicológico e médico antes de ser realizado – às vezes longo demais, como reclamou João Nery no Lado Bi das Trans. Nos Estados Unidos, a terra dos livres em que sistema público de saúde praticamente não existe, a situação d@s trans é ainda mais difícil. Como os planos de saúde não costumam cobrir esse tipo de cirurgia, cada vez mais transexuais buscam apoio na internet, em campanhas de financiamento coletivo, para conseguir finalmente alcançar o corpo pelo qual anseiam tanto.

Jackson Schad, de cabelo curto, barba, posa de braços cruzados ao lado de uma janela vestindo uma regata preta.

Jackson Schad iniciou sua transição para homem há sete anos

As cirurgias para fazer a transição de mulher para homem podem custar de 6 mil a 24 mil dólares (R$ 13 mil a R$ 52,4 mil). O princípio é o mesmo de qualquer outra campanha de crowdfunding no Kickstarter, Catarse ou Vakinha. A pessoa diz quanto dinheiro precisa, explica o que vai fazer, o que vai oferecer em troca, tenta inspirar os doadores e começa a batalhar na internet para que as pessoas façam contribuições.

No caso de trans, el@s explicam as dificuldades da vida de alguém que vive num corpo que não corresponde a seu gênero, contam suas histórias e oferecem contrapartidas pessoais. Foi o que fez Jackson Chad, nascido Tina Maria. Ele tem 27 anos e começou sua transição aos 21. Há três anos ele usava uma cinta abdominal para esconder os seios, o que lhe causava dores nas costas terríveis e dificuldades para respirar. Se olhar no espelho diariamente e ver um corpo que não correspondia deixava-o deprimido. Sem dinheiro para pagar pela remoção dos seios, em abril do ano passado ele aceitou a sugestão de um amigo e montou uma campanha no site IndieGoGo para arrecadar 7 mil dólares.

Em seu perfil no site, ele compartilhou seu drama em vídeos, deu uma descrição detalhada de como seria usado o dinheiro, e ofereceu contrapartidas simbólicas desde CDs de música (por US$ 50) a um cafés-da-manhã feito em casa (por doações US$ 100). Em dois dias ele já tinha conseguido acumular US$ 1 mil. Amigos, conhecidos e estranhos contribuíram com valores que variavam de 10 a 500 dólares. Em junho, ele conseguiu completar o valor necessário graças à doação de uma senhora cujo marido estava prestes a morrer de câncer e decidiu doar o dinheiro que ia sobrar de sua própria arrecadação de fundos para o tratamento do marido.

Nessa noite, na festa de comemoração na cidadezinha de Lexington, Kentucky, onde mora, o bar estava cheio de pessoas que fizeram questão de aparecer para lhe dar os parabéns.

Jackson Schad tenta sorrir deitado numa cama de hospital, com vários tubos presos a seu tórax

Jackson Schad se recupera de cirurgia em julho de 2012

A cirurgia para a remoção dos seios aconteceu em julho de 2012, com sucesso. “Quando eu me olho no espelho agora, eu tenho a sensação de ser a pessoa que eu enxergava durante toda minha vida”, ele afirma. “É incrível que as pessoas finalmente conseguem ver quem eu realmente sou. Eu cheguei ao fim da minha transição agora. Estou completo”. Megan, a mulher que fez a doação final para a campanha de Schad, perdeu o marido na mesma hora em que Schad entrou em cirurgia. Os dois ainda são amigos.

Desde 2012, mais de 90 pessoas utilizaram o IndieGoGo para tentar conseguir bancar uma cirurgia de adequação de sexo. Estima-se que 14% delas são bem-sucedidas – acima da média de 10% das campanhas em geral nesse site. Isso sem contar outros concorrentes, como o WePay e o GoFundMe. A grande maioria das campanhas são para corrigir o corpo da cintura para cima. Por duas razões: primeiro, os peitos (ou falta deles) são muito mais aparentes do que a genitália – e essas são cirurgias menos arriscadas. Outra é o valor. “É muito mais fácil pedir 9 mil dólares do que 25 mil”, afirma Jacob Rostovsky, um trans-homem de 22 anos e fundador da organização  Trans United With Family and Friends (TUFF), que ajuda transgêneros a arrecadar fundos para suas cirurgias. Ele ainda afirma que a maior parte das contribuições para essas campanhas de financiamento coletivo vêm de fora da comunidade trans. “As trans dizem, ‘Por que eu pagaria pela sua cirurgia se eu não consigo pagar nem a minha?'”, ele observa.

As contrapartidas de outras campanhas são as mais variadas. Leituras de tarô, tatuagens, e até acesso a fotos íntimas. Corrie Kaisal, transmulher de 29 anos com uma campanha no Kickstarter, oferece a quem doar entre 10 e 25 mil dólares dois encontros, um antes e outro depois da cirurgia. Fyrah, outra transmulher com campanha no WePay para realizar uma orquiectomia (remoção dos testículos) e eletrólise de sua barba, foi mais longe: “se você quiser pagar pela cirurgia inteira, pode colocar minhas bolas num pote e levar com você!”. Dessa vez ela não teve sucesso. Quem sabe na próxima.

Fonte: Vocativ

Apoie o Lado Bi!

Este é um site independente, e contribuições como a sua tornam nossa existência possível!

Doação única

Doação mensal:

2 comentários

Danilo

“Mudança de sexo”, “transição para homem”… O Lado Bi é até muito bom site e seus produtores precisam, para o melhor, se inteirar mais sobre transexualidade, transgênero e gêneros não-binários para, minimamente, não reproduzir mais essas expressões tão comuns e erradas quando tratam dos processos de transição (cirurgias de redesignação sexual, terapia hormonal, mudança de nome, etc) para fazer entender e respeitar a experiência trans*. “Como bons iconoclastas” que dizem ser, de vocês, espero ainda que se pronunciem bem de modo a contemplar toda a siga LGBT (que, não, não é “GGGG”, como faz parecer tantos caras gays cisgêneros). O Lado Bi, dirigido por dois homens gays, cisgêneros e brancos, consegue desenvolver conteúdo bastante relevante e, dentro do que se propõem, muito mais assertivo do que o PÉ Na Roda – aquele canal fiasco, com verve humorada, também dirigido por homens gays, cisgêneros e brancos, que pretam mais desserviço do que conseguem se dar conta -, é verdade; a minha sugestão aqui é apenas que os caros moços progridam no sentido de tornar esse espaço abrangente de fato e torne-se referência que eu possa mencionar sem risco de passar vergonha.

Marcio Caparica

Nos esforçamos para isso, Danilo! Prestamos atenção a dicas como a sua, e já cometemos menos gafes hoje em dia do que cometíamos quando escrevemos esse post. Obrigado por chamar Nosa atenção, e por favor, continue nos alertando para que a gente produza um blog cada vez mais inclusivo e respeitador da diversidade de verdade. Beijo!

Comments are closed.