Autor de ‘Amor à Vida’ consegue despertar simpatia pelos gays

Félix e Niko são os mais populares da trama de Walcyr Carrasco e ajudam a desmistificar homossexuais

por James Cimino

Você pode dizer que Amor à Vida é uma novela cheia de dramalhões rocambolescos, de personagens de personalidade bipolar, quando não esquizofrênica, mas tem que admitir que um mérito ela teve. Em um ano em que a Comissão de Direitos Humanos foi presidida por um pastor homofóbico, a novela de Walcyr Carrasco conseguiu, muito mais que os ativistas da causa LGBT, despertar a simpatia do público pelos personagens gays.

Félix (Mateus Solano), por exemplo, com sua personalidade flamboyant (ou pintosa) conseguiu acachapar as maldades que fizera no começo da novela e segue em rumo à redenção e ao perdão. Outro dia, no táxi, a novela passava na mini TV. Foi Félix aparecer em cena que o taxista disse: “Ah, o Félix é massa!”

Grande parte dessa simpatia se deve à excelente interpretação de Mateus Solano, mas também é fruto de outro personagem chave dessa história, o homofóbico César (Antônio Fagundes). Programado para morrer por volta do capítulo 80, o médico foi mantido na trama. Na época de sua provável morte, entrevistei o Fagundes e disse que muitos gays estavam decepcionados com a permanência do homofóbico em cena. O ator me deu uma justificativa que hoje parece fazer muito sentido.

“Matar é solução fácil. Acho que o César tem que viver. Até para aprofundar o ódio do público por ele. Isso de matar, além de dramaturgicamente estar esgotado, não soluciona nada. Tem que mostrar que ele está errado pelo discurso. Ele tem que ser vítima do próprio discurso. Porque ele reclama tanto que o filho é gay, mas se ele fosse só ladrão e assassino podia? Tem gente que diz isso. Que preferia ter filho ladrão.”

O vídeo abaixo, feito pela repórter do UOL Amanda Serra na rua 25 de Março, demonstra que Fagundes estava certo. O público ama Félix.

Outro personagem gay que caiu nas graças do público foi o bondoso Niko (Thiago Fragoso). O próprio ator já deu uma entrevista dizendo que seus sucesso se deve ao fato de o personagem ter fugido da ideia da sexualização quando se fala de gays. Carrasco percebeu isso e resolveu unir os dois personagens de forma habilidosa.

Na cena que foi ao ar neste Natal, ficou clara a mensagem do autor ao grande público. Enquanto Amarylis (Danielle Winits), a fura-olho, e Eron (Marcello Antony), o banana, passavam a “noite feliz” entre lágrimas e amarguras, o feliz Natal acontecia no lar da nada tradicional família brasileira. Dois gays, uma ex-chacrete, um menino negro e adotado, um Papai Noel nordestino e um bebê de proveta trocavam presentes alegremente. No centro da ação, Niko oferece a Félix ajuda para que ele se reerga e diz que, a partir de agora, serão melhores amigos. Os atores, que interpretam dois dos mais populares personagens da novela, souberam emocionar ao mostrar que a solidariedade, a amizade e o amor não são exclusividade das chamadas “pessoas normais”.

Mas, para mim, a história que prova a eficiência dos dois personagens no tocante ao respeito aos direitos dos gays foi o relato de um amigo, que se mudou do Paraná para São Paulo para viver com o namorado de anos. A mãe, que vive em uma cidade de 40 mil habitantes e que nunca havia tocado no assunto homossexualidade, questionou se eles dois eram namorados. “Eu percebi pelo jeito que você se olhavam. É igual o Niko e o Eron da novela, né? Acho tão lindos os dois…”

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6 comentários

Gustavo Souza

Do casal lésbico de Vale Tudo (1988/89) até hoje, 26 anos se passaram e muita coisa mudou e, no que nos interessa aqui nesse post, a representação do homossexual na telenovela também. Da coisa velada (Laís e Cecília eram apenas “grandes amigas”) passamos ao escancaramento, de modo que tivemos recentemente, em Amor à vida, um triângulo em que um homem e uma mulher disputavam outro homem. Sem dúvida, um avanço. Porém, não pode passar em branco a porta de entrada para essa representação mais explícita, ou seja, a heteronormatividade. No início da trama, Niko e Eron formavam um típico casal-família-para-ser-aceito: viviam na mesma casa, eram monogâmicos (lembro de uma frase de Niko: “Eron, eu tolero qualquer coisa, menos traição”), queriam ter um filho. A constituição dos personagens também deve ser destacada: o mais feminino trabalha com comida (na nossa cultura, cozinhar ainda é uma atividade de mulher) e o menos feminino trabalha com as leis, é advogado. Ok, antes essa representação à coisa velada ou ao estereótipo do tipo Zorra Total ou A praça é nossa. A minha esperança é que a abordagem da homossexualidade via heteronormatividade seja provisória, um estágio para que no futuro o público possa ter outros tipos de gays nas tramas. Por exemplo: o gay fora dos padrões de beleza (sim, porque ultimamente quase todos são lindos e/ou sarados), o gay que não tá nem aí pra casar, que está mais a fim de pegar geral (e que isso não seja motivo de crise), enfim, as possibilidades são inúmeras. De todo modo, em Amor à vida, também há uma representação do gay que é bem plausível: a bicha que banca o seu homem. Afinal, o que é o anjinho senão um michê? Bacana ter esse tipo de personagem também. Porém, aí vem a adversativa de novo, o gay que banca o seu homem é a representação do mal e o subtexto disso é problemático: “ele é tão ruim que até pra ter uma companhia tem que pagar”. É como se pagar para ter sexo fosse degradante, o que é questionável. Enfim, quis apenas pontuar que, embora divertidos e legais, esses personagens ainda são problemáticos, mas, sem dúvida, um avanço se voltarmos 20 anos. Quem sabe nos próximos 20, a gente já não tenha outras constituições mais elaboradas de personagens gays e lésbicas na televisão brasileira.

Lio

“Na cena que foi ao ar neste Natal, ficou clara a mensagem do autor ao grande público. Enquanto Amarylis (Danielle Winits), a fura-olho, e Eron (Marcello Antony), o banana, passavam a “noite feliz” entre lágrimas e amarguras, o feliz Natal acontecia no lar da nada tradicional família brasileira. Dois gays, uma ex-chacrete, um menino negro e adotado, um Papai Noel nordestino e um bebê de proveta trocavam presentes alegremente. ”
PERFEITO.

João Victor

Espero que esse saldo positivo da novela repercuta em nossa vida cotidiana, diminuindo o preconceito. A novela é um importante produto de apelo social, que, bem realizada, pode ocasionar mudanças. Minha mãe, por exemplo, ama o Niko e, sem perceber, estava torcendo contra a “família normal”. Pontuei isso e ela inicialmente ficou sem graça, mas depois disse que o que importa é ser feliz, e que quer conhecer meu namorado. Esta novela, como um todo, é ruim, mas tem seu lado positivo.

Matheus

Só espero que essa popularidade seja um sinal de mudança, e não só a popularidade que muitas pessoas colocam nos gays, são divertidos, engraçados, muito legais, mas para por aí, ter direitos e viver como todo o resto não pode, assim como acontece com muitas mulheres que tem vários amigos gays, mas aí do filho que diga que é gay. Se for desse tipo de “popularidade”, não adianta muito, mas se for uma verdadeira mudança na forma de pensar aí sim é uma melhora. Espero que seja a segunda opção, pois da primeira já vejo muito por aí, infelizmente.

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