Papa Francisco, pessoa do ano? ERRO!

Cinco razões por que a revista The Advocate está cometendo um erro perigoso ao dar esse título ao papa

por Marcio Caparica

A revista norte-americana The Advocate nomeou o papa Francisco sua Pessoa do Ano. Parece que esse ano houve uma falta tão grande de pessoas do meio LGBT dignas de notícia que a revista teve que procurar dentre os héteros alguém que merecesse esta honra.

Edie Windsor, a viúva lésbica que, ao processar o governo norte-americano, derrubou uma lei federal que definia o casamento lá como apenas entre um homem e uma mulher, abrindo o caminho para a legalização do casamento homoafetivo em todo o país? Evan Wolfson, o advogado que dedicou seus últimos 30 anos preparando o terreno para o que talvez esteja sendo a maior mudança cultural da história dos Estados Unidos? Tom Daley, o atleta que nos mostrou a facilidade com que um jovem pode lidar com sua sexualidade? Todos candidatos, nada mais – e no caso de Wolfson, nem mesmo isso.

ADV_POPE_FRANCISx633E o que o papa fez para merecer tanta honra? Ele fez alguns poucos comentários.

Quando a revista Time deu o título de Pessoa do Ano ao papa, ela gastou muito tempo explicando o potencial de mudança que Francisco representa. Entre os sinais mais notáveis estava seu comentário sobre os gays, em que ele dizia “Quem sou eu para julgar?”. Também houve sua declaração sobre como a igreja Católica deveria controlar sua obsessão sobre gays e aborto.

Essa é uma fundação muito frágil sobre a qual a revista The Advocate está apoiando seu título. Com certeza a revista sabia que estava tomando uma decisão polêmica e o fez de propósito. O que talvez não tenha considerado é que com isso está também celebrando a homofobia light. Aqui vão cinco razões por que The Advocate cometeu um erro perigoso ao escolher o papa como Pessoa do Ano.

  1. Ele não chegou a fazer nada. Esse é o fato mais difícil de ignorar. As palavras do papa foram muito afáveis e muito bem vindas, mas mesmo a revista Time reconheceu que as mudanças foram de tom, mas não de atitude. É difícil superar o Vaticano quando o assunto é homofobia institucionalizada. Até que Francisco tome passos concretos para eliminar a homofobia, e não apenas reduzi-la de leve, ele não merece ser considerado um ícone LGBT.
  2. Nós não sabemos até onde vai esse discurso. Não faz nem um ano ainda que Francisco ocupa esta posição. Ainda não surgiu uma situação que coloque em prova essa retórica de “cada um no seu quadrado”. Não há sombra de dúvida de que ela vai apenas até certo ponto. Ele vai ter que definir aonde esse ponto está. Considerando-se a postura da igreja até agora, é certo que esse limite não estará do lado dos gays.
  3. Essa escolha faz pouco caso da maior conquista legal de nossa comunidade até o momento. De um lado, temos o papa dizendo coisas bonitinhas. Do outro, há uma legião de lésbicas e gays, representada por Edie Windsor, que passou a vida no embate para que o governo reconhecesse que relacionamentos homoafetivos são válidos. Não é irônico que The Advocate decidiu homenagear o homem que comanda uma instituição que se nega a admitir a importância de nossos relacionamentos, ao invés das pessoas que venceram essas batalhas por nós?
  4. É uma escolha que confunde omissão com ação. “Fiel a suas palavras, o papa Francisco não usou seus maiores momentos sob os holofotes para condenar a população LGBT, como fazia Bento XVI”, aponta a revista. Sério mesmo? Deixar passar a oportunidade de abusar verbalmente de uma comunidade é uma exigência tão baixa que chega a ser subterrânea. Se essa for a base para se homenagear alguém, quase todo mundo merece um prêmio. Até mesmo grande parte dos políticos conservadores.
  5. Esse título dá carta branca ao papa para ações futuras. Ao mirar tão baixo, The Advocate concedeu ao papa o equivalente jornalístico de uma indulgência plenária – expiação prévia de pecados futuros. Se o papa apoiar campanhas contra o casamento igualitário ou apontar um homofóbico notório para cardeal, puxa vida, ele não pode ser uma pessoa tão ruim assim, afinal ele já foi homenageado pela The Advocate.

Nada disso reduz o potencial para realizar mudanças que o papa Francisco representa. No mínimo, ele é um sopro de ar fresco. Nos anos que se seguirão, ele pode realmente levar a igreja para longe da homofobia e alterar os princípios que nos fazem mal. Sejam quais forem as realizações do papa, elas ainda não se materializaram. Vale lembrar que elas podem não se materializar jamais. Não temos como saber.

Nesse meio tempo, vamos manter o papa sob a perspectiva correta. A justificativa de The Advocate é que “apesar do longo histórico da igreja Católica de discursos raivosamente anti-LGBT, o papa Francisco adotou um tom decididamente menos hostil” (Reparem que o tom não é “amigável”, é “menos hostil”). Nós acabamos de sair de uma relação abusiva com os últimos dois papas. O fato do papa novo não nos espancar não quer dizer que ele seja santo. Gays, não sejam mulher de malandro.

Traduzido de um post original de Joel Gallagher

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