“Enquanto estou na capa da ‘Time’, trans continuam sendo mortas”, diz Laverne Cox

Atriz comentou polêmica envolvendo RuPaul e os termos ”she male“ e “tranny”: “linguagem é contexto, é política, é história”

por Stefanie Gaspar

Laverne Cox já foi vítima de bullying, perseguida por colegas na saída da escola e colocada na terapia para ser “curada” de sua feminilidade. Hoje, a atriz estampa a capa da revista “Time”, é a primeira atriz transexual indicada ao Emmy deste ano e a porta voz mais importante a representar sua comunidade ao redor do mundo.

Um dos destaques do elenco feminino da série “Orange is The New Black”, Laverne interpreta Sophie, detenta que acabou na prisão após cometer fraude para realizar sua cirurgia de transição. A personagem de Cox ajudou a ampliar a discussão a respeito da transexualidade para o público em geral, colocando na mesa temas como transição sexual e identidade, além da falta de acesso da comunidade trans a direitos civis básicos (como escolher o próprio nome e gênero, independentemente de atributos físicos). Mesmo assim, a atriz considera que não é hora apenas de comemorar.

“Foi muito importante para mim ser indicada ao Emmy e me sinto realizada com meu trabalho como atriz, mas não é só porque uma transexual está tendo um ótimo ano que todas estão. Eu estou ótima, mas outros estão morrendo. Enquanto estou na capa da ‘Time’, trans ao redor do mundo estão sendo estigmatizados, brutalizados e mortos”, explicou ela, falando sobre a responsabilidade social que ganhou após o sucesso da série da Netflix.

“Estou tentando não me pressionar muito com essa questão. Acho importante representar as pessoas que não têm o mesmo tipo de plataforma e exposição que eu tenho, mas ao mesmo tempo represento a mim mesma. Tenho um trabalho forte como ativista, mas quero explorar meu trabalho artístico também”, completou a atriz durante entrevista coletiva na Cidade do México nesta quarta-feira (16).

Se para alguns a questão do realinhamento de gênero do transexual (que não é definido pela sexualidade ou corpo do indivíduo, e sim pela identidade psicológica) é uma tentativa de ganhar algum tipo de normalidade dentro de uma sociedade calcada em estereótipos binários de sexo, para Laverne Cox a questão é aceitar e conviver com o fato de ser diferente.

“Como negra, cresci sabendo que nada seria fácil. Minha mãe sempre me dizia que precisamos lutar mais pelas mesmas coisas. Mas nunca vi a minha identidade como um obstáculo. OK… eu já vi, não tem como dizer isso. Há 16 anos, quando comecei a minha transição, eu achava que teria que lutar para me adequar, desaparecer na multidão. Mas não fiz isso, tive que assumir o que sou. Parei de ver minha identidade como um deficit, e sim como algo especial, único”.

RuPaul e “shemale”

Laverne Cox em frente ao hotel 4 Seasons, pouco antes da coletiva da série Orange is the New Black na Cidade do México

Laverne Cox em frente ao hotel 4 Seasons, pouco antes da coletiva da série “Orange is the New Black” na Cidade do México

Em janeiro deste ano, a atriz participou do programa de variedades da apresentadora norte-americana Katie Couric, tendo como colega a modelo Carmen Carrera, transexual que ficou famosa por ter participado do reality show “Ru Paul’s Drag Race” quando ainda se identificava como homem.

Recentemente, Carrera levantou a questão da transfobia dentro da comunidade LGBT, acusando RuPaul de transfóbico pelo uso em seu programa de termos como “shemale” e “tranny”. Os dois são considerados ofensivos por alguns ativistas – “shemale” (mulher macho) por ser um termo do cenário do pornô gay, e “tranny” (traveco, em tradução livre) devido ao fato de um transexual não ser um travesti. O uso de ambos foi ressignificado dentro da comunidade LGBT de uma maneira irreverente e brincalhona, mas alguns ainda veem o uso de tais palavras como algo nocivo e que ajuda a reforçar estereótipos.

Sobre essa questão, Cox ficou em cima do muro, mas alertou que não existe linguagem inocente. “Essa discussão sempre representou um assunto complicado para mim. Como artista, penso que moro nos Estados Unidos, que preza pela questão da liberdade de expressão. Então não sou eu que vou dizer para alguém não usar uma palavra ou não falar alguma coisa. Mas também acho que linguagem é contexto, é política, é história, então precisamos entender que quando usamos certos termos, eles têm implicações além de nós e podem significar várias coisas. Precisamos usar a linguagem a partir do entendimento dessa realidade”, opinou ela.

Antes de encerrar a entrevista, Cox comemorou sua indicação ao Emmy, e a importância de ser a primeira transexual a ser considerada pela premiação.  “Eu saí na capa da ‘Time’ no meu aniversário, e ainda tinha pela frente uma possível – ou não – indicação ao Emmy. Foi uma grande honra e é uma grande oportunidade na minha carreira, significa muita coisa na minha trajetória. Eu nunca comemoro meu aniversário, mas dessa vez resolvi fazer uma festança. Há 20 anos eu fiz isso e ninguém foi, me senti humilhada. Dessa vez, encheu! (risos). Então tudo deu muito certo”, comemorou ela.

* A jornalista Stefanie Gaspar viajou para a Cidade do México a convite do Netflix

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