“Até os homens brancos e heteros estão entediados com a TV atual”, diz atriz de “Orange is the New Black”

Natasha Lyonne, indicada ao Emmy por seu papel na série, conversou com a reportagem do Lado Bi na Cidade do México

por Stefanie Gaspar

Destoando de grande parte das narrativas de ficção, a série exibida pelo Netflix “Orange Is The New Black” deixa de lado temáticas orientadas pela perspectiva masculina e se preocupa em contar as histórias das detentas por meio de uma ótica fora do determinismo patriarcal. Mesmo que os delitos causados por elas tenham sido, em sua maioria, causados ou influenciados por homens, dentro da prisão as mulheres dominam suas próprias vidas e criam caminhos próprios, que vão da selvageria territorial de Vee (Yvonne Parker) ao desejo vingativo de Red (Kate Mulgrew).

Durante entrevista coletiva na Cidade do México na última quarta-feira (16), a atriz Natasha Lyonne, que interpreta a carismática Nicky Nichols, comentou com satisfação essa mudança. “É muito triste que tenha demorado tanto para aparecer uma série que retrate mulheres desta forma. Que bom que a maré finalmente está virando para o nosso lado. Acho que um dos motivos do sucesso da série é a existência de uma urgência, uma fome por histórias contadas de maneira não convencional. Até os homens brancos e heteros estão entediados com esse formato antigo de TV, que não reflete mais a experiência de ninguém. Provavelmente porque, gostem eles ou não, as mulheres que passam pela vida desses homens não correspondem mais a esse paradigma conservador”, explicou Lyonne, que acha nojento o ideal hollywoodiano imposto às mulheres pela TV.

“Eu não quero mais viver nesse mundo segregador, então fico feliz que a série mostre um lado mais diverso e real da vida. A sociedade é estúpida, por isso as pessoas apelam para tanta segregação? Como alguém que assiste TV, não é nada divertido ver um viés conservador nas obras. ‘Orange Is The New Black’ alia essa diversidade a um formato orgânico, no qual nada disso é forçado. Isso nos mostra que o formato antigo é chato. Chega desse tipo de ideal, no qual o legal é ser linda e magra, é nojento, me dá náuseas. Existem grandes consequências quando esse é o tipo de ideal que propagamos, e existem mulheres sofrendo devido a esse padrão hollywoodiano de perfeição”.

Indicada ao Emmy 2014 pelo papel, Lyonne ganhou um enorme fã-clube ao trazer leveza para a história de Nicky, que mesmo com um passado barra pesada é uma das detentas mais cativantes e doces do confinamento retratado pela série. Durante a entrevista, ela afirmou que está contente com a recém alcançada fama, que chegou 18 anos após sua estreia em “Todos Dizem Eu Te Amo”, de Woody Allen.

“Eu não estava esperando ser indicada, então estou muito excitada e emocionada. É ótimo participar de uma série que está chamando tanta atenção, e tenho orgulho de fazer parte disso. Estou muito feliz mesmo com a exposição, e é mentira se algum ator alguma vez disser que não quer ser reconhecido. Fiz isso muito tempo sem a fama, mas espero que continue!”, disse ela, bem humorada. “Estou até pensando em sabotar os vestidos da Laverne e da Uzo pra ver se elas não aparecem e eu recebo o prêmio como consolação!”, brincou ela a respeito das demais indicadas, as colegas de elenco Uzo Aduba (Crazy Eyes) e Laverne Cox (Sophie Burset).

Ao lado de Lyonne, Jason Bigs, que interpreta Larry, afirmou que a série também foi muito importante para ele por representar seu primeiro papel de fato sério – o ator ganhou fama como protagonista da série de filmes “American Pie”, além de outras comédias adolescentes.

Jason Biggs e Natasha Lyonne pouco antes de conversarem com a reportagem do Lado Bi na Cidade do México

Jason Biggs e Natasha Lyonne pouco antes de conversarem com a reportagem do Lado Bi na Cidade do México

“Larry é o papel mais complicado e complexo que já interpretei. Ele é multifacetado, e é difícil julgá-lo. Essa é a primeira vez em que posso chegar nesse nível de interpretação, e tem sido muito incrível. Tenho muito a oferecer, assim como a série, que alia um modelo inteligente de dar poder ao espectador a uma qualidade dramática e criativa muito forte”, explicou ele.

Sexualidade livre 

Em sua primeira cena na série, Natasha Lyonne aparece fazendo sexo oral em outra detenta. Jason Biggs é mais discreto, mas também comete uma transgressão crucial na segunda temporada da série, quando desvia do padrão de “bom moço” dado ao personagem para ingressar em terreno sexualmente (e emocionalmente) polêmico.

“Acho que o público estava pronto para uma série que discutisse tudo isso de maneira tão aberta. Na época da estreia, por exemplo, muito se falava sobre casamento gay. Veio na hora certa. Se “Orange Is The New Black” estreasse há dez anos, não sei se funcionaria. Mas hoje em dia funciona, a sexualidade é tratada de maneira natural”, explicou Biggs.

Para Lyonne, existe uma falsa sensação de aceitação por parte do público tido como esclarecido. “O show trata a sexualidade sem tabu. Espero que as pessoas hoje entendam que todo mundo pode sim ser gay, pode acontecer. As pessoas precisam ter a cabeça aberta para essa possibilidade. Acho que estamos passando por uma epidemia silenciosa de pessoas tidas como ‘liberais’, ou que pensam isso sobre si mesmas, mas que ficam aterrorizadas com a possibilidade de se descobrirem gays. Parece que estamos nos anos 50, é absurdo”.

* A jornalista Stefanie Gaspar viajou para a Cidade do México a convite do Netflix

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