Soropositivo e no armário: Greg Louganis conta como ganhou dois ouros apesar de lesão

Considerado o maior astro dos saltos ornamentais de todos os tempos, Greg Louganis lembra das Olimpíadas de Seul e das agruras de esconder sua homossexualidade enquanto competia

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Greg Louganis para o site Vox.com

Cinco anos depois de me aposentar dos saltos ornamentais com a tenra idade de 28 anos, eu redescobri a paixão que tive durante a escola pelas artes cênicas. Eu fui o protagonista numa peça fora da Broadway, em que eu interpretava um corista chamado Darius. Abertamente gay e orgulhoso disso, ele marchava em paradas do orgulho LGBT sem qualquer preocupação. O Darius morre de Aids na peça, mas seu espírito retorna e fala para seus amigos odiarem a Aids, não sua vida.

Assim como Darius, eu era gay e soropositivo. Mas, diferente de Darius, eu ainda estava um pouco no armário e tinha medo – eu não tinha nada de seu orgulho e confiança. Eu percebi que estava vivendo meus sonhos por meio de meu personagem, um homem que vivia sem envergonhar-se, sem medo de passar ridículo. Eu não aguentava mais. Eu queria que as pessoas conhecessem a verdade por trás do homem que havia conquistado quatro medalhas de ouro em dois Jogos Olímpicos consecutivos.

Greg Louganis em 1988

Greg Louganis em 1988

Esconder minha identidade era como viver numa ilha deserta, isolado do mundo exterior. Claro, eu havia contado para meus amigos mais íntimos e para meus familiares a respeito de minha doença e minha sexualidade, mas nunca quis ficar conhecido no mundo dos saltos ornamentais como “aquele com Aids” ou “o atleta gay”. Eu já havia encarado bastante bullying quando saí do armário para meus colegas na equipe de saltos ornamentais dos Estados Unidos. Era um grupo pequeno, e a maioria dos caras não queria dividir o quarto comigo durante viagens. Eles criaram um clubinho chamado “Bate na bicha”, com o único propósito de provocar.

Segredos nos isolam. Impedem que cresçamos. Eu queria contar para outras pessoas porque sabia que não era o único a passar por esses conflitos íntimos. Talvez eu pudesse servir como sinal de esperança para alguém.

Eu contei para o mundo que sou gay e soropositivo em 1995, concordando em conceder entrevistas no horário nobre dos titãs da mídia daquela década. Eu parti numa turnê promocional com a intenção de desfazer os mitos sobre pessoas gays com HIV. No entanto, meus objetivos foram destruídos por pessoas que só davam atenção a um salto ruim que fiz nos Jogos Olímpicos de 1988, quando bati acabeça no trampolim de três metros e me feri; a ferida foi tratada por um médico, e naquela época não se costumava ter luvas de látex à mão. MInha decisão de esconder meu diagnóstico depois de me ferir foi considerada “idefensável” e “moralmente inepta”.

Nunca pensei que as pessoas me aceitariam por quem eu sou

Eu recebi o diagnóstico positivo para HIV seis meses antes do início dos Jogos Olímpicos de Seul, na Coreia do Sul. Naquela época, ser diagnosticado com HIV era sinônimo de pena de morte. No entanto, meu médico me aconselhou a continuar me preparando para os jogos olímpicos – eu me sentia bem fisicamente, e ele disse que treinar me faria bem.

Eu sabia que essa seria minha competição final, minha última oportunidade de conquistar a glória olímpica.

Fui para Seul no pico da minha forma física, como favorito. Isso tudo mudou quando bati com a cabeça no trampolim durante as preliminares. Numa fração de segundo, eu me tornei o azarão.

Qualquer fiapo de confiança que eu tinha em minhas habilidades se foi. Será que eu seria forte o suficiente? Será que eu seria capaz de me recuperar daquele erro? Eu também estava aterrorizado pela possibilidade de que minha lesão poderia causar mal a outras pessoas – será que o sangue de meu ferimento seria capaz de infectar o médico? Apesar de saber que a probabilidade de o vírus ser transmitido numa piscina cheia de cloro era quase zero, as possibilidades mais pessimistas sempre vêm à mente. Mesmo assim eu mantive secreto meu diagnóstico – eu não achava que tinha outra escolha.

Ron O’Brien, meu técnico de longa data, lembrou-me de levar tudo um mergulho de cada vez, momento a momento.

E ele tinha razão – eu prossegui até vencer duas medalhas de ouro em Seul, tornando-me o único saltador homem a conquistar ouros consecutivos em dois jogos olímpicos.

“Ninguém jamais vai ser capaz de compreender pelo que nós acabamos de passar”, eu disse para meu técnico.

Greg Louganis

Saber que já ajudei outras pessoas me faz prosseguir nos dias ruins

Retornei aos esportes aquáticos há alguns anos, para orientar atletas olímpicos durante as Olimpíadas de Londres, conversando com astros esportivos que se aproximavam do final de seu período sob os holofotes. Quando um atleta começa a dar indícios de que vai se aposentar, o mundo esportivo já está em busca de um novato.

Os cuidados depois da aposentadoria são cruciais – a maioria dos atletas olímpicos não tem acordos de patrocínio ou palestras agendadas para o resto da vida. Minha própria é prova disso.

Apesar de minha fama, não colocaram minha foto na tão disputada caixa de Sucrilhos, mesmo depois de minhas vitórias olímpicas. Naquela época, eu não me encaixava na tão desejada imagem “sadia” – já fervilhavam rumores de que eu era gay. Anos depois de lançar meu livro, eu ainda tenho que lidar com dificuldades financeiras. A hipoteca de minha casa quase foi executada durante a recessão. Eu atravessei fases de depressão.

Saber que minha história afetou outros, mesmo de uma maneira minúscula, mantém viva minha paixão. Quando tenho um dia ruim, eu me lembro da mensagem de uma jovem fã que dizia que havia assistido um documentário sobre mim no ano passado. Ela contava que eu havia lhe dado a coragem de contar para seus amigos e familiares sobre seu próprio diagnóstico soropositivo depois de mantê-lo em segredo por sete anos.

Outro atleta olímpico, Ji Wallace, também gay e soropositivo, já disse que tornou seu diagnóstico público depois de assistir uma de minhas entrevistas para o jornalista Piers Morgan durante os Jogos Olímpicos de Londres. Eu apenas havia dito que o HIV não tomou conta de toda minha vida. É apenas uma parte pequena de quem eu sou. Eu fiquei embasbacado ao descobrir que minha vida pode dar força para outros mesmo depois de todos esses anos.

A aceitação de LGBTs nos esportes já avançou muito

Greg LouganisO mundo dos saltos ornamentais de hoje aceita bem melhor os atletas LGBT que na minha época, assim como o mundo esportivo em geral.

Fiquei surpreso quando a NBA e a NASCAR declararam sua oposição às Leis de Defesa da Liberdade Religiosa do estado de Indiana no ano passado, um projeto de lei que permitiria que estabelecimentos comerciais recusassem emprego, abrigo e outros serviços tomando por base a identidade de gênero e orientação sexual. Esses são exemplos do verdadeiro espírito esportivo.

Minha vida atravessou uma longa jornada até alcançar a auto-aceitação. Estou feliz de verdade. Volta e meia tenho esses momentos em que tenho que me beliscar. Certa vez eu estava num evento beneficiente ao lado de meu marido, espremido entre Elton John e o presidente Bill Clinton.

Ou quando vejo meu corpo estampado agora na caixa de Sucrilhos – eu finalmente conquistei essa posição esse ano. Essa honra tem um significado muito maior para mim hoje que no passado. Hoje sou aceito não apenas como atleta mas como uma pessoa íntegra, acolhido por toda minha identidade.

Greg Louganis foi campeão olímpico quatro vezes e é considerado o maior atleta dos saltos ornamentais da história. Ele é o único saltador masculino a ganhar medalhas de ouro nas categorias de 3 metros e 10 metros em jogos olímpicos consecutivos (1984 e 1988), conquistou cinco medalhas olímpicas no total, cinco títulos no Campeonato Mundial, e 47 títulos nacionais. Ele é mentor da equipe de saltos ornamentais olímpica dos Estados Unidos, juiz para a Red Bull Cliff Diving Tour, especialista em treinamento canino, e palestrante motivacional. Ele é o tema do documentário Back on Board, produzido em 2014 pela HBO, e o autor de Breaking the Surface.

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2 comentários

Diguidi

Na época, acompanhei pela tevê essa competição. Vi o acidente e a queda de costas de Lougani na água. Fiquei surpreso com a nota recebida por Louganis a este salto, superiora a de vários concorrentes, que não caíram de costas. O nome pesou mais do que o salto em si,

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