Papa Francisco, apenas um pedido de desculpas não basta

Dizer que sente muito sem tomar atitudes práticas contra a discriminação é quase pior que não fazer nada

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Adele M. Stan para o site Alternet

Uma coisa não se pode negar sobre o papa Francisco: o cara sabe lidar com a mídia. Pegue, por exemplo, suas declarações no último domingo (26), dizendo que a Igreja deve desculpas aos gays por tê-los marginalizado. O papa é mestre em soltar esse tipo de retórica vaga e amistosa, que leva a midia a apresentá-lo como um liberal, e os progressistas acolhê-lo como um dos seus.

Acontece que ele não é nada disso. Ele pode pedir desculpas à vontade; isso não faz nada para mudar os ensinamentos da Igreja sobre LGBTs que nos descrevem como uma ” inclinação objetivamente desordenada”, praticantes de um amor que é “intrinsecamente mau”. O papa Francisco já deixou claro que não aceita como legítimo o casamento homoafetivo. Ele ainda está por censurar subordinados seus como o cardeal Nicolas de Jesus López Rodriguez, que chamou o embaixador norte-americano na República Dominicana de bichona, ou outros sob seu comando que declaram guerra aos homossexuais.

Durante uma visita a Uganda, ele permaneceu calado quanto a um projeto de lei do país que propõe prisão perpétua para o crime de não ser heterossexual. Ainda esperamos sentados que ele repreenda escolas católicas dos EUA que demitiram professores gays e lésbicas depois que exerceram seu direito constituicional de casarem-se. Ele não faz mais que observar enquanto a Conferência de Bispos Católicos dos EUA travam uma campanha fajuta por “liberdade religiosa” com a intenção de privar pessoas LGBT e mulheres de todas as orientações sexuais de seus direitos. Resumindo, esse arrependimento todo do papa é uma farsa.

O assunto do histórico antiLGBT da igreja surgiu numa coletiva de imprensa dentro do avião papal, quando um repórter pediu que o papa comentasse as declarações do cardeal Reinhard Marx, um de seus conselheiros. Durante uma conferência na Irlanda, Marx afirmou: “a história dos homossexuais em nossas sociedades é muito ruim, porque nós já fizemos muito para marginalizá-los”.

Apesar do papa dizer que concorda com Marx quanto à necessidade desse pedido de desculpas, ele não o fez. Ele prossegiu para listar outros grupos prejudicados pela Igreja, também merecedores de mea culpas:

Eu creio que a Igreja não só deve pedir desculpa a essa pessoa que é gay e que ofendeu, mas também deve pedir desculpas aos pobres, às mulheres e às crianças exploradas no trabalho. Deve pedir desculpas por ter abençoado tantas armas.

Palavras sem ações, no entanto, são quase piores que nada. Não passa de uma tentativa de limpar as nódoas da alma da igreja que continuam a crescer sob a fachada de arrependimento.

Onde estão as iniciativas do papa para dar fim à violência antiLGBT que se faz em nome da igreja? Agora mesmo em novembro os bispos dos Estados Unidos redigiram um guia eleitoral para católicos que afirmava que o casamento igualitário é “intrinsecamente mau”. Esse tipo de linguagem o tipo de coisa que prepara o terreno para a violência contra pessoas LGBT. Se pessoas ou suas ações são consideradas “intrinsecamente más”, os indivíduos mais desvirtuados vão encontrar uma maneira de eliminar esse dito mal e ainda por cima sentirem-se santificados por fazê-lo. Em abril desse ano, o papa Francisco publicou “Amoris Laetitia”, considerações católicas a sobre a vida familiar, que, apesar de pedir a compreensão para LGBTs, fecha com chave as portas da igreja para o casamento homoafetivo. A sanção de uma das maiores e mais influentes instituições religiosas do mundo autoriza que a sociedade como um todo demonize pessoas LGBTs, assim como a recusa da igreja em admitir mulheres em postos de liderança abre o caminho para todo tipo de discriminação e violência contra elas.

Então, papa Francisco, pode ficar com seu pedido de desculpas, eu não preciso dele. Até você publicar uma bula condenando os ataques contra pessoas LGBT perpetrados por seus próprios bispos, até você ordenar que seus subordinados ponham fim em suas campanhas de ódio contra nós, até você condenar legislações antiLGBT que destroem vidas por todo o mundo, suas palavras não querem dizer nada.

Em entrevista ao jornal The New York Times, o reverendo Anthony Spadaro, outro dos conselheiros do papa, tentou explicar a aparente contradição entre a linguagem conciliatória que o papa usa com relação a pessoas LGBT e sua oposição ao casamento homoafetivo.

“Ele não é liberal”, afirmou Spadaro.

Sem sombra de dúvida.

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4 comentários

joao

vc espera oque de um homem de 80 anos? ele é liberal na medida do possivel, as coisas mudam aos poucos na igreja, graandes revolucoes só causam desordem

Fábio Oliveira

Isso cabe não somente a ele, mas a muitos que falam bonito mas na hora da ação…

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